Toniquinho JK. O homem que interpelou o candidato presidencial Juscelino Kubitschek de Oliveira em 1955, desencadeando com as suas palavras o incrível processo de construção de Brasília, esteve em Lisboa pela primeira vez. Veio conhecer a terra do avô, que emigrou para o Brasil no século XIX
A pergunta que mudou a história do Brasil
António Soares Neto, ou Toniquinho JK, como ficou conhecido desde aquele dia 4 de Abril de 1955 - data do primeiro comício como candidato presidencial de Juscelino Kubitschek de Oliveira -, tem 83 anos, cinco filhos e nove netos, espalhados pelas cidades de Goiânia e Jataí, no estado de Goiás. Mas é esta pequena cidade de Jataí, sua terra natal a 535 quilómetros de Brasília, que marcou a história da vida deste homem que pode ser considerado o "pai" de Brasília.
"Tinha eu 29 anos, era funcionário de uma companhia de seguros e estudava para ser tabelião em Goiânia. E por causa destes estudos tinha lido muito a Constituição Brasileira", conta Toniquinho JK.
E foi esse conhecimento que veio à tona durante o primeiro comício presidencial de Juscelino Kubitschek, organizado às pressas a partir da recepção de um telegrama de JK pelo antigo colega da Universidade de Medicina Serafim de Carvalho, em plena missa de domingo em Jataí. A notícia espalhou-se num instante no adro da igreja, Toniquinho foi levar o telegrama ao prefeito da cidade, Luziano de Carvalho, e os três compadres começaram logo a delinear os preparativos para o grande acontecimento político.
O dia da chegada de JK foi decretado feriado, e o alvoroço tomou conta do povo da cidade, maioritariamente favorável ao partido político de JK, o PSD, principal motivo da escolha do candidato a presidente, que quis evitar os grandes centros urbanos, devido à perseguição dos militares, que, desde o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, ansiavam assumir o controlo do país.
Juscelino Kubitschek foi logo transportado pela cidade a bordo de um Buick, propriedade de um fazendeiro local. Terminado o cortejo na Praça Omar Menezes, um vento forte começou a soprar trazendo a chuva, e o prefeito transferiu o comício para um barracão de uma oficina mecânica, onde JK subiu para cima da carroçaria de um velho camião - num palanque improvisado - e falou para a plateia reduzida. Toniquinho estava lá.
Durante todo o discurso, JK reiterou o seu desejo de cumprir a Constituição, o que fazia parte do seu ideal político, mas era também uma estratégia para evitar a perseguição do Governo militar. Num gesto inédito, JK deu voz ao público e pediu que os ouvintes fizessem perguntas, pois ele estava ali para responder.
Toniquinho fez então a pergunta que faria história na história de Brasília:
"Excelência, se eleito for, o senhor irá transferir a capital para o Planalto Central, como prevê a Constituição?"
JK perdeu a pose por um segundo, olhou para os assessores e disse que a pergunta era difícil, mas oportuna. E ripostou: "Com as graças e a bênção de Deus, vou cumprir a Constituição e transferir a capital para o Planalto Central." A multidão entrou em delírio.
"Foi Juscelino mesmo que provocou aquela pergunta. Eu não tinha planejado nada, não saí de casa pensando em fazer aquilo. Mas ele falou o tempo todo em cumprir a Constituição. Por isso eu perguntei", relembra Toniquinho JK enquanto repete a pergunta, com os olhos rasos de lágrimas, na sala de reunião da Missão Brasileira junto à CPLP em Lisboa, onde foi recebido pelo embaixador Lauro Moreira.
E a partir daquele momento, JK faria daquela pergunta o objectivo principal da sua campanha presidencial, tornando-a a me-ta-síntese do seu ambicioso Plano de Metas com 30 itens: "50 anos em 5." Ao assumir a presidência a 31 de Janeiro de 1956, JK pôs em marcha um dos mais arrojados projectos da história brasileira, e a 21 de Abril de 1960 era inaugurada Brasília, a nova capital da República.
Depois do comício, durante o almoço, JK pediu ao prefeito que procurasse o rapaz que o havia interpelado. "Fiquei muito emocionado e nervoso. Nem tive coragem para olhar para ele direito", confessa Toniquinho JK.
Toniquinho ficou famoso na cidade. Orgulhoso, incorporou ao seu nome as iniciais do amigo presidente e passou a chamar-se Toniquinho JK. E a vida continuou, com Toniquinho JK a formar-se em Direito e a iniciar uma carreira sólida em Goiânia e até a assumir o cargo de colector estadual de impostos em Jataí. Em Abril de 1960 chegou o convite para a inauguração da nova capital do Brasil e lá foi ele para Brasília, levando uma flâmula de Jataí.
No meio da multidão, Toniquinho convenceu o chefe de segurança a deixá-lo aproximar-se do palanque do presidente. "Era o meu presente para Juscelino. Quando ele me viu, pediu que subisse ao palco. Fiquei abraçado a ele durante todo o discurso", emociona-se Toniquinho JK ao lembrar o momento histórico que viveu.
"Nunca tirei partido político disto. Nunca pedi emprego a Juscelino, nem ele também nunca mo ofereceu", diz o advogado agora reformado. "Aquela pergunta ficou inseparável da minha vida. Não foi inventada, não foi arranjada, foi uma coisa que aconteceu", arremata ele.
"Depois que Juscelino entregou a presidência, eu ainda o acompanhei durante alguns discursos em Goiás, desta vez para o Senado Federal. Depois do golpe militar de 1964, ele foi exilado e não nos vimos mais. O fim de toda essa história foi a sua morte. Estive presente no enterro e depois na transferência dos restos mortais para o Memorial JK, em Brasília. Tudo o que aconteceu ficou na memória", relembra ainda Toniquinho JK, mais uma vez à beira das lágrimas.
"Eu sei que aquele dia transformou a minha vida. Durante todo esse tempo, recebi várias homenagens em Jataí e em Brasília. Em 1999, ganhei o título de cidadão honorário da capital do Brasil. Em Jataí há sempre festas comemorativas no dia 4 de Abril - o dia do comício e da pergunta. As pessoas dizem até que Jataí é a mãe de Brasília e eu sou o pai", diz, a rir, Toniquinho JK .